A Praça Fausto Cardoso, no centro da cidade de Aracaju, foi tomada por dezenas de cruzes brancas, feitas de madeira e material reciclável. O ato tem origens na religião, mas não é uma referência às comemorações da Páscoa. Representando o assustador índice de jovens assassinados pelo narcotráfico na capital, o chamado Protesto das 100 Cruzes é uma denúncia silenciosa da omissão das autoridades na luta contra as drogas.
O protesto foi idealizado e organizado pela Ordem Missionária dos Padres e Irmãos Mauritanos, uma associação de clérigos e leigos (que inclui advogados, médicos e psicólogos), fundada em 2002 em sediada no bairro Manoel Preto, que desenvolve um trabalho de redução de danos com usuários de drogas. A obra tem como objetivos chamar a atenção da sociedade contra o tráfico de drogas e intervir junto aos usuários no sentido de informá-los, auxiliá-los em tratamentos e tirar documentação daqueles que vivem nas ruas.
Segundo o Padre Missionário Anselmo, um dos organizadores do protesto, “cerca de 28 jovens se prosituem entre as praças da catedral metropolitana e a praça Fausto Cardoso. Os meninos cobram cerca de 30 reais para fazer os programas e desse modo conseguem dinheiro para o consumo de drogas”. A Ordem oferece uma alternativa a esses jovens, não apenas orientando-os para afastá-los das drogas, mas incluindo-os diretamente na obra.
Maico, de 25 anos, e Fernando, de 19, então entre os jovens ajudados pela Ordem Missionária. Os rapazes ganham cerca de 10 reais por dia e alimentação para auxiliar no protesto, cuidando das cruzes e informando os transeuntes a respeito do ato. Moradores de rua, eles trabalhavam no local, lavando carros, quando foram convidados ao projeto pelo Padre Anselmo. Segundo eles, o Protesto das 100 Cruzes teve início na última segunda-feira (25), durará até a sexta-feira da Paixão (29) e deve ser seguido por outras manifestações dentro do mesmo tema.
Sonia Regina Boemer, de 53 anos, que passava pelo local, concordou com o protesto: “A sociedade tem que tomar uma providência. Não existe uma lei que dê apoio a essas famílias.” Maria Leda, 63, também fez coro à Ordem: “A droga é triste demais. Tem filho que pede que a propria mãe o acorrente porque ele tambem já não aguenta mais essa vida. As familias não têm dinheiro pra tratamento. É muito caro.”
A Ordem Missionária dos Padres e Irmãos Mauritanos já teve ajuda do poder público, mas hoje se sustenta por conta própria. Além do trabalho de combate às drogas e conscientização da sociedade, eles também distribuem sopa para moradores de rua em alguns pontos do centro e no próprio bairro Manoel Preto. Na semana que representa a ressureição para os cristãos, a missão dos Mauritanos é ainda mais simbólica. E a esperança é que, das cruzes e da dor a que elas remetem, possa surgir o renascimento de um povo tão sofrido.
Fotos: Baruc Martins; Produção: Allan Jonnes; Edição: Jamile Oliveira; Texto: Daniel Martins.